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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Um tema para a reflexão e a busca para alternativas educativas: mediações entre disciplina escolar e família na pós-modernidade.

Um tema para a reflexão e a busca para alternativas educativas: mediações entre disciplina escolar e família na pós-modernidade.
Fellipe de Assis Zaremba[1]
fellipeazaremba@yahoo.com.br

Considero este texto importante, na medida em que estabeleço e discorro algumas considerações que, se não oferecem soluções definitivas, podem apontar caminhos para futuras reflexões mediando disciplina escolar e família na pós- modernidade.
Nos últimos 30 do século XX uma profunda crise assola o capitalismo, com profundas conseqüências para as relações entre capital e trabalho, notadamente o desemprego estrutural, a precarização do trabalho, as mudanças nos processos de trabalho etc. Vivíamos um fim de milênio repleto de transformações e rupturas que afetaram, ainda que de modo desigual, todas as experiências humanas com diversificação dos valores de uma sociedade que, para David Harvey (2004), se encontra em vias de fragmentação sob a condição de novas tecnologias, do surgimento de uma prática de descartabilidade, vinculadas ao consumo, da moda e a manipulação de opinião e gosto, a partir da construção de novos sistemas de signos e imagens.
Harvey (2004), no que diz respeito à situação mundial contemporânea, ressalta dramaticamente a intensidade da crise[i] estrutural global do capitalismo, desde a década de 1970.  Ao contrário das crises anteriores, que foram parciais e localizáveis, parece que, pela primeira vez, o capitalismo foi abalado em suas bases como sistema mundial.
Contrastando com situações passadas, o caráter visivelmente global da crise sócio-econômica necessita de soluções globais para os problemas do nosso tempo que podem ser apresentados como novas práticas e formas culturais.
É neste quadro histórico que realidade educacional brasileira reflete um desencantamento com a educação, principalmente na sua forma institucionalizada, que pode ser percebido tanto no discurso daqueles envolvidos nas práticas escolares, gestores, professores, alunos e seus familiares, quanto na sociedade em geral.
Essa justificativa de estudo refere-se à necessidade de se produzir uma reflexão sobre a produção de subjetividade dos alunos no ambiente externo caracterizado pelo lar, pelas relações familiares e pelo discurso midiático televisivo. Na pós-modernidade esta discussão passa a ser entendida como uma questão social e mais complexa.
 A escola, como sistema aberto que compartilha funções, também compartilha desafios e obstáculos. A indisciplina, um desafio, está na ordem do dia e no contexto escolar. A falta de consenso e clareza a respeito da definição do termo indisciplina ou, até mesmo de disciplina, a maior parte da revisão bibliográfica e das análises sobre esse tema é um obstáculo. Textos, artigos e pesquisas expressam sinais de um discurso saturado por preconceitos e costumes da sabedoria popular.
Estes aspectos se agravam se considerarmos que esta vasta bibliografia não realiza a devida analise do cumprimento de deveres como manifestação de disciplina destes alunos, preconizando os trabalhos de investigação realizados, considerados ainda relativamente insuficientes.
Ademais, nos perguntamos por que os alunos não obedecem? O que fazer diante de uma escola de bagunceiros? De quem é a culpa? E os deveres destes alunos? Cadê os pais?
Ao observar todo o cotidiano escolar, relatos e reclamações dos professores, funcionários e até mesmo da diretoria, destacamos a questão disciplinar como uma das dificuldades fundamentais para o bom desenvolvimento do trabalho escolar. Neste sentido faz-se necessário, em primeiro lugar, revisar a literatura a cerca dos conceitos disciplina e dever distinguindo-os e desmistificando-os para no segundo momento mediá-los a fim de compreendê-los.
Segundo Dayan-Parrat (2009) disciplina pode ser concebida como uma técnica de exercício de poder, não inteiramente inventada, mas elaborada em seus princípios fundamentais durante o período da Renascença. Nesse sentido, falar de indisciplina é evidenciar o não cumprimento de regras pré - estabelecidas.
Içami Tiba (2009. p. 24) define disciplina, sob aspecto do universo escolar, como um conjunto de regras éticas para se atingir um objetivo didático. A ética é entendida, aqui, como o critério qualitativo do comportamento humano envolvendo e preservando o respeito ao bem estar biopsicossocial[ii].  
Foucault (2007), na sua obra Vigiar e Punir apresenta estudos sobre a disciplina  e a forma como ela se constitui, apresentando reflexões plausíveis que se firmam em poder, revolta, resistência e liberdade, termos que revelam comportamento, manifestam sentimentos e estão presentes em nossa sociedade, embora pouco compreendidos e muitas vezes mal aplicados.
Segundo Foucault disciplina é a técnica que fabrica indivíduos úteis, dotados de deveres, e está na existência do ser humano na sociedade (idem, 2007.).
Ao definir dever como atributo, Foucault estabelece ao conceito várias acepções, tais como precisar, indicar probalidade ou estar em dívida com alguém, indicando ao mesmo tempo um caráter ou uma determinação ao que Aristóteles chamava de acidente por si[iii].
Nesse sentido existem dois consensos, o primeiro, de que sem disciplina não se pode desenvolver nenhum trabalho pedagógico significativo, e o segundo nos remete à idéia de que a escola, como sistema aberto que compartilha funções, também compartilha desafios e obstáculos.
Dois grandes discursos são elencados para justificar este debate. De um lado argumentos e justificativas encontradas afirmam que tal questão é resultado da forte expansão do sistema, da precariedade das condições para uma educação de qualidade com má valorização de professores, pobreza dos elementos didáticos e fracasso escolar.
Esse discurso traduz de diferentes maneiras que a perda de autoridade do professor, tanto no que se refere ao conhecimento, quanto à postura em sala de aula contribuem significativamente, contudo, sem as devidas análises sobre o fenômeno disciplinar, podemos observar que as hipóteses explicativas empregadas usualmente podem reiterar alguns preconceitos.
O Segundo discurso, por outro lado, estabelece que a função da escola desvirtuou-se pela urgência da necessidade de ajustar a educação às demandas do trabalho, conseqüências da passagem de sistema minoritário para um sistema de massa, admitindo uma obediência às novas tecnologias, e ao instável mundo do trabalho.
Podemos, então, afirmar que as mudanças na organização de produção, bem como a liberdade de o capital mover-se em escala planetária, é muito mais que apenas uma nova forma de gerenciar a produção, representando assim uma nova forma de configuração societária, preservando o status quo. Assim, a produção flexível pode ser considerada uma maneira de conter a onda de insatisfação dos trabalhadores, articulando competitividade com o aumento das taxas de exploração a partir da subordinação dos trabalhadores a nova realidade.
Neste sentido a educação foi objeto de intensas mudanças, seja na sua organização, seja na concepção curricular modificando em muito o perfil, a estrutura e os objetivos da educação. Desse contexto é que decorre a necessidade de profundas mudanças nas estruturas sociais, portanto, de nova forma de politização da sociedade a partir de reformas políticas e estatais, da nova formação do ser social, do cidadão, ou seja, profundas mudanças a partir de reformas educacionais. O objetivo é modelar e formar um novo cidadão adaptado à nova realidade.
Nesse contexto uma série de políticas públicas foi produzida tendo como objetivo a realização de reformas que, no discurso do Ministério da Educação, de empresários e de setores importantes da academia, criariam as condições para adequar o sistema de ensino às novas demandas oriundas dos processos de trabalho. O contexto maior que orienta essa pesquisa são as mudanças nos processos normativos que marcam a educação brasileira na década de 1990.
A educação, num sentido mais amplo, não deixa dúvida da sua função social, como fator decisivo do processo de hominização e, em especial, da humanização social do homem. A educação não pode ser considerada como um processo linear, mecânico e acabado. Pelo contrário, é um processo complexo e sutil, marcado por profundas contradições e por processos coletivos de socialização, contínuos e permanentes de formação de cada indivíduo, o que se dá na relação entre os indivíduos e entre estes e a natureza. Por meio dela tornam-se iguais, próximos, mas tornam-se também diferentes uns dos outros. Nesse sentido a educação é o movimento que permite a homens e mulheres apropriarem-se da cultura, estabelecendo com ela uma identidade.
Consideramos, portanto, que há uma congruência entre as propostas apontadas sob a ótica da psicologia da moralidade e sob a ótica da psicologia institucional, centrada principalmente na relação professor-aluno, indicando que alguns princípios morais devem prevalecer no cotidiano escolar; princípios de cooperação com o intuito de desenvolver, nos alunos, a autonomia. Esta última como a capacidade de coordenação de diferentes perspectivas sociais com o pressuposto do respeito recíproco, a partir da capacidade de um indivíduo deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação reconhecendo e praticando seus deveres.
A efetivação de uma disciplina no espaço escolar depende da democratização da sociedade, na medida em que esta assumir uma nova ética social compreendendo o estudo como um fenômeno que constitui uma das possibilidades mais importantes para o desenvolvimento humano, possibilitando a ampliação de conhecimentos, aumentando o vocabulário e as idéias, com a abertura de horizontes pessoais e profissionais, entre outros benefícios. Tudo isso propicia melhor entendimento do mundo.
Aprendizagem com disciplina propicia a aquisição valores. Tudo o que fazemos tem um objetivo ou motivo. Motivo é tudo o que nos move para determinado fim, ou seja, motivo é a força interior que leva o homem a agir. Nos estudos é necessário ter vontade própria, pois ela desperta a imaginação e nos inspira a ter vontade de agir, de produzir e progredir na medida em que nos deslocamos para tais tarefas sob a perspectiva de um dever notadamente reconhecido com atributo (Foucault, 2007.).
Segundo Vasconcellos (1994) os agentes sociais (a Igreja, a família, a escola, a ciência etc.) não estão com seus autogovernos definidos e co-orientados, vitimando e desorientando alunos e professores e, portanto, merecem um enfrentamento e um envolvimento maduro, com equilíbrio de justeza e consciente por parte de todos os envolvidos. Do contrário, continuaremos a propor discussões vazias que não enxergam a possibilidade de pensar tais problemas como desvios familiares, provenientes de uma cadeia de carências.
Diante do exposto não podemos descartar que essa mesma sociedade tem exigido, por diversos fatores, que pais e mães assumam posições cada vez mais competitivas no mercado de trabalho, desqualificando os laços efetivos e construtivos de aquisição de valores.
Não se pode continuar ignorando a importância fundamental da família na disciplina e formação educacional desses alunos.
 Corroborando com o exposto, as causas da indisciplina estão entrelaçadas com a sociedade, principalmente com a família e neste ambiente o professor entra sozinho na sala de aula e conquistar a disciplina tornou-se um verdadeiro desafio para o ensino atual, tanto nas instituições de âmbito público como privado.
Nesse sentido o grande desafio que temos, enquanto profissionais da educação é levar essas questões para reflexão e debate para a sociedade como um todo, envolvendo a família independente do modelo como se apresente, podendo ser um espaço de afetividade e de segurança, mas também de incertezas, rejeições, e até de violência.
É importante e necessário que a família realmente participe da vida escolar de seus filhos comparecendo à escola não apenas para efetuar matrículas, entregar avaliações ou quando a situação já estiver fora de alcance. O comparecimento e o envolvimento devem ser permanentes propiciando pressões técnicas e formais e acima de tudo, construtivas, para que o aluno, de um lado seja amparado, supervisionado e orientado e o professor de outro tenha seu trabalho realizado.



Referências


DAYAN-PARRAT, Silvia. Como enfrentar a indisciplina na escola. São Paulo: Editora Contexto, 2009.
ESTRELA, Maria T. Une étude sur l’indiscipline en classe. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1986.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2007.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
JAPIASSU, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia. São Paulo: Zahar editores, 2006
TIBA, IÇAMI Família De Alta Performance. São Paulo: Integrare Editora, 2009.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. São Paulo: Libertad, 1994.


[1] Mestre em Educação, Assessor Pedagógico da Multimarcas Editorais e do Sistema Integrado de Ensino Formando Cidadãos e Professor de Sociologia das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU-SP.


[i] Os anos 1970, uma década de crise e recessão na economia mundial, assinalaram o esgotamento do modelo de crescimento adotado no pós-guerra, encerrando um longo ciclo ascendente da economia capitalista. A crise dos anos 1970 ficou conhecida nos meios de comunicação como “crise do petróleo”. Efetivamente, a década conheceu dois grandes choques altistas do preço do principal combustível das economias industriais, que passou de menos de dois dólares o barril para quase trinta dólares durante o período.
Indiscutivelmente, o choque do petróleo foi um componente essencial da “crise dos 70″, atuando como poderoso acelerador da inflação nas economias desenvolvidas. Contudo, o petróleo não pode ser visto como causa de uma crise de natureza estrutural, que já se manifestava antes da primeira alta do preço do barril e que era condicionada pela completa alteração das condições gerais que tinham impulsionado o ciclo ascendente das décadas de 1950 e 1960.Texto capturado no  site http://www.senac.br/BTS/273/boltec273b.htm. Acesso em 21 de agosto de 2008.
[ii] Modelo afirma que o comportamento e os processos mentais humanos são gerados e influenciados por três grupos de fatores: Fatores biológicos - como a predisposição genética e os processos de mutação que determinam o desenvolvimento corporal em geral e do sistema nervoso em particular, etc.; Fatores psicológicos - como preferências, expectativas e medos, reações emocionais, processos cognitivos e interpretação das percepções, etc.;
Fatores socioculturais - como a presença de outras pessoas, expectativas da sociedade e do meio cultural, influência do círculo familiar, de amigos e modelos de papéis sociais.in: Myers, David G. Psychologie. Heidelberg: Springer. 2008.
[iii] Acidente não casual, aquele caráter que, embora não pertença à substância, estando, pois, fora da definição in: JAPIASSU, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia. São Paulo: Zahar editores, 2006.

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